Um feto dentro do globo
terrestre, um menino jogando videogame, um sol reluzente em três dimensões, um
pierrô: algumas criaturas.
Um Renato. Lage: o
criador.
A história do
carnavalesco Renato Lage no Carnaval não começa na Mocidade. Vem de antes,
muito antes. Contudo, sua ascensão ao primeiro time de carnavalescos e sua
marca surge quando ele assume o projeto artístico da agremiação de Padre Miguel
para o carnaval de 1990. Na época, a Mocidade buscava um carnavalesco capaz de
dar continuidade ao excelente trabalho do gênio Fernando Pinto, que deixou a
escola e saudades quando veio a falecer.
A missão parecia difícil, pois com a perda de Fernando, os resultados dos
dois últimos carnavais não foram os esperados e ocorreu troca-troca de
carnavalescos.
O retorno do patrono Castor de
Andrade, após dois
anos de afastamento, injeta novo fôlego e um ousado plano de reformulação da
escola. Com sua postura visionária, Castor aposta no talento de Lage, que já
vinha realizando belos desfiles em outras agremiações nos anos anteriores e o
convida, juntamente com sua então esposa, Lilian Rabelo, para desenvolver um
enredo sobre a virada da década. Toda a expectativa e o ótimo ambiente criado
com as novidades fizeram com que o tema mudasse de foco e se tornasse um enredo sobre a virada da própria Mocidade. Eis
que surge então, “Vira, virou a Mocidade chegou”.

O
estilo high-tech do carnavalesco já começou a encantar o público, crítica e
julgadores em seu primeiro desfile pela Mocidade, que foi marcado pelo uso de efeitos
especiais, especialmente o neon, usado em diversos carros que estão até hoje na
memória do torcedor da verde e branco de Padre Miguel. A comunicação com o
público, facilitada por um dos sambas mais populares da escola e somada ao
emocionante retorno do patrono Castor de Andrade à avenida, que estava feliz
como nunca e mostrava a simpatia e o carisma de sempre, fizeram com que a
estreia de Renato Lage na Mocidade fosse um enorme sucesso, já resultando em um
título. Sim! A Mocidade voltava a ser a campeã do Carnaval, depois do
apoteótico desfile de 1985, e melhor, com outro desfile apoteótico.


Embalado
pelo resultado, o casal de carnavalescos permanece na escola para lutar pelo
bicampeonato no próximo ano. Prestigiado pelo campeonato do ano anterior, Renato
escolhe falar de um dos quatro elementos da natureza, a água. Surge então mais
um fantástico enredo autoral que rende mais um samba que vai marcar a história
da escola para sempre: “Chuê... Chuá... As águas vão rolar”. Renato volta a
apostar em um desfile moderno, abusando dos efeitos. A abertura já é
apoteótica, a Estrela, símbolo da agremiação, vem estilizada de estrela-do-mar,
totalmente integrada ao enredo. Para arrebatar de vez público e julgadores, o
carro que representa a vida, com um feto imerso no globo terrestre fez explodir
nas arquibancadas o grito de “bicampeã”. Como a voz do povo é a voz de Deus, na
quarta-feira de cinzas o júri confirmou a vontade do público presente no
sambódromo e a Mocidade conquistou seu primeiro e único bicampeonato.
Como "Sonhar não custa nada... ou quase nada", a escola apostou no
mesmo time e veio com tudo na luta pelo tricampeonato em 1992. O enredo sobre
os sonhos, autoral e genial, rendeu um dos sambas mais belos da agremiação e
possivelmente o mais famoso e cantado da escola em seus 60 anos de existência.
Luxo, riqueza e criatividade marcaram o desfile, que foi vice-campeão. O sonho
do tricampeonato foi, momentaneamente, adiado... Mas o desfile se tornou
inesquecível.
Lage e Mocidade continuaram a disputar o campeonato nos anos
seguintes. Destaque para os anos de 1993 falando sobre os jogos e de 1995 com
um enredo sobre religião e fé, quando a escola obteve dois quartos lugares e
retornou para o sábado das campeãs.


Ao desenvolver o enredo de 1995 que falava, de certo modo,
sobre o criador, Renato tem a ideia de fazer um paralelo entre criador e
criatura no ano seguinte e então surge o enredo “Criador e criatura”. O carnavalesco
volta a abusar do estilo que o consagrou, com luzes, efeitos e muito neon. Esse
estilo, paralelo ao bom gosto, traços modernos e muita criatividade colocavam a
Mocidade novamente como uma das principais favoritas ao título. Entretanto, o
carnaval de 1996 ainda reservava muitas emoções... Nos momentos anteriores ao
desfile, o clima era de tensão. Problemas na dispersão de outras escolas
fizeram com que a Mocidade, que havia programado um desfile para a noite,
tivesse que iniciar seu desfile com o dia
já amanhecendo. Com isso, a maior parte dos efeitos de luz, projetados para a
noite, se perderam. Com muita garra a comunidade da escola não deixou se abater
e com um desfile perfeito, destacado pelo canto forte e por várias criações
fantásticas do criador Lage, como a comissão de frente de Frankenstein, o
abre-alas representando Deus (ou melhor, suas mãos) criando o Universo e
construindo o Planeta Terra e iniciando, obviamente, pelo Brasil, o grande aquário de
placas de acrílico do carro “elementos da natureza”, assim com o carro de Adão
e Eva com a enorme serpente do Éden, que deu aos seus intérpretes, além de
maior projeção a suas carreiras, os títulos de muso e musa do Carnaval 1996.
Com tudo isso e muito mais, não havia possibilidade de um resultado diferente de
mais um título para Padre Miguel e Renato Lage. Era o terceiro em sete anos de
casamento entre Mocidade e Renato Lage.


Inflamado pelo campeonato, Lage fez uma espécie de
continuação do enredo anterior, destacando a “criatura”, o enredo sobre o corpo
humano batizado de “De corpo e alma na avenida”, novamente original, é
inspirado no filme “viagem insólita” e gera mais um grande samba da ala de
compositores da Estrela Guia, inclusive premiado com o Estandarte de Ouro
naquele ano. O desfile, como já era rotineiro, é arrebatador e a Mocidade perde
o bicampeonato por apenas meio ponto de diferença para a campeã daquele ano.
Porém, imagens como o carro do coração todo em néon, ou o alegre carro da
digestão representado por um grande banquete, ficarão para sempre na memória
dos apaixonados por carnaval.
O vice-campeonato de 1997 foi um duro golpe. Mas golpe maior
ainda estava por vir. Nesse mesmo ano, a Mocidade Independente de Padre Miguel
perde seu eterno patrono, Castor de Andrade, e Renato aproveita o enredo
escolhido para 1998, “Brilha no céu a estrela que me faz sonhar”, sobre os
astros e sua influência em nossas vidas para prestar uma linda homenagem ao nosso
patrono no fim do desfile.

No ano seguinte, 1999, Renato se desprende do seu consagrado seu estilo “high tech” e prepara um carnaval
que ele mesmo define como “sem neon”. A curiosidade foi imediata no mundo do
samba e todos queriam ver como Renato e a Mocidade passariam pela avenida
apostando em um estilo diferente. “Villa-lobos e a apoteose brasileira” brindou
os desfiles do sambódromo com um visual e escala cromática belíssima. A
abertura com os sapos-cururus evoluindo, e as primeiras alas, findando com
nossas baianas, a frente do gigantesco e imponente abre-alas, representando a
floresta, mostrava que a Mocidade vinha forte. O desfile ainda brindou o
público com o carro que é considerado, por muitos, como a alegoria mais bela de
todos os tempos do carnaval, o carro “sôdade do cordão” ou como é intimamente
chamado, “o carro do pierrô da gola feita com copinhos de plástico
descartável”. Esse carro é a prova viva que o púbico entende de carnaval, pós
tão logo ele adentrou a avenida, explodiu nas arquibancadas o grito de “é
campeã”. Infelizmente, o campeonato não veio, e a escola terminou a apuração na
quarta colocação. Porém, o sucesso do trabalho da escola e do carnavalesco é
inquestionável, sendo esse desfile exaltado e lembrado até hoje.
Renato permaneceu na escola por mais três carnavais, com
destaque para o desfile de 2002, seu último ano na Mocidade, em que trouxe a
magia do mundo do circo para Sapucaí. “O grande circo místico” levou para a
avenida alegorias criativas e fantasias belas, seu estilo moderno predominou e
o resultado foi mais uma quarta posição (a quinta do carnavalesco durante o
tempo que permaneceu na agremiação), finalizando sua passagem pela escola da
forma que chegou, com brilho, requinte e
genialidade.

No total foram, até hoje, treze anos de Renato Lage na
Mocidade, alguns solo, alguns com sua ex-esposa Lilian, e os últimos com sua
atual esposa Marcia Lavia. Os principais resultados no papel foram 3 títulos, 2
vices e 5 quartos lugares, porém o resultado maior foi entrar para galeria dos
maiores carnavalescos de todos os tempos, com criações inesquecíveis que
marcaram e marcarão a história do carnaval carioca. E, mais precisamente,
falando em Mocidade Independente de Padre Miguel, Renato Lage escreveu seu nome
ao lado de Arlindo Rodrigues e Fernando Pinto, cada um em seu tempo e com seu
estilo, como os grandes carnavalescos da história da escola verde e branco,
como profissionais que, muito mais que títulos, deram identidade e notoriedade
para a Estrela Guia de Padre Miguel.
Comissão de Comunicação – Departamento de Harmonia
Direção de Carnaval e Harmonia